A experiência de enganar a si próprio acontece no cotidiano de todos. Com
intensidade e motivos diferentes, a prática do enganar-se é comum,
independentemente de gênero e faixa etária. Adiantar o despertador para não
perder a hora para os compromissos, acreditar que na próxima segunda-feira a
dieta será levada a sério e, que na virada do ano todas as metas serão
alcançadas, pode tornar a vida mais leve e fácil.
Para o psicólogo clínico e escritor Odair J. Comin, o autoengano gera uma
sensação de poder e ilude o indivíduo. Porém, é alimentado naturalmente no dia a
dia de todos através da literatura, do cinema e até do mundo virtual tão
presente no mundo contemporâneo.
"A vida real é dura demais, precisamos de certa dose de ilusão, mas é
importante saber o motivo do autoengano. Se a pessoa adianta o relógio, pois tem
dificuldade em ser pontual e necessita ganhar tempo, ela tem que ter consciência
disso", alerta Comin.
O profissional explica que é preciso ter o cuidado de não tomar a ilusão como
realidade. Segundo ele, a linha é tênue entre a vida real e a fantasia. "É
preciso saber quando usar o autoengano e encontrar o equilíbrio para se viver
bem. Até certa medida, esse movimento do autoengano é saudável e necessário.
Funciona como uma ponte para superar situações com as quais o cidadão se sente
inseguro. O que não se pode é fazer do autoengano um vício e uma maneira de se
viver e confundir realidade com ilusão", afirma o psicólogo.
Limite entre a fantasia e a realidade
Mas enxergar o limite pode não ser tão simples para quem está perdendo o
controle. Comin, então, dá algumas dicas de situações que apontam para a falta
de controle. "Quando a pessoa se expõe demais e os outros começam a perceber as
mentiras, quando há incongruência da fala e da ação, ou seja, discurso e prática
são diferentes, quando promessas se tornam eternas, tudo isso são sinais de que
há um exagero", explica Comin.
A professora de psicologia da Universidade Veiga de Almeida (UVA), Renata
Paes, especialista em neuropsicologia, comenta que o indivíduo tem como hábito
querer o máximo de prazer e o mínimo de dor. Por isso, ela chama atenção para a
importância da escolha quando o assunto é autoengano.
"Eu prefiro usar o termo autossabotagem. Quem quer emagrecer, por exemplo,
necessariamente terá que mudar hábitos e abrir mão de certos alimentos e
quantidades. Não adianta comer muito durante a semana se enganando que na
próxima semana irá radicalizar e começar uma dieta rigorosa. O fundamental é o
equilíbrio e saber que não tem como tudo ser sempre positivo e fácil", diz
Renata.
Para a profissional, se o autoengano for uma medida para compensar um
comportamento que venha a auxiliar o indivíduo, pode até ser interessante.
"Se o sujeito tem problemas com horário e adianta o relógio, ele não está
simplesmente se enganando. Ele tem a consciência do ponto negativo dele e cria
uma tática para respeitar horário. É diferente de quem tem dívidas no cartão,
sabe que está sem controle do orçamento e se engana ao ir ao shopping dizendo
que não vai comprar sabendo que é um consumidor voraz e acaba gastando e
piorando sua situação financeira", ilustra Renata.
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